A Pedagogia do Afeto na Escola Contemporânea
Muito se diz
sobre a Pedagogia do Amor e a Pedagogia do Abraço, hoje eu vou além, abordarei
de uma forma mais ampla tratando o assunto como Pedagogia do Afeto com base em
minha vivência, estudos e livros já publicados sobre a relação professor-aluno.
Observe os dois
relatos abaixo.
Relato 1
Na época da
alfabetização eu era fascinada por Matemática, adorava brincadeiras que
envolviam as equações básicas mas essa paixão foi passageira. Com o passar dos
anos letivos a disciplina se tornou um “bicho de 7 cabeças”, vierem as
recuperações paralelas, recuperação final e consequentemente o bloqueio
psicológico e aversão à matéria. Até que no Ensino Médio tive aula com um
professor que me fez ter novamente prazer pelos cálculos e virei uma das
melhores alunas da classe.
Relato 2
A primeira
escola que lecionei foi uma escola pública. Os primeiros dias pensei muitas vezes
em desistir. Tinha medo, insegurança e não sabia como controlar a turma. Depois
percebi que era questão de sintonia, empatia e de conquista. Mas um aluno em
específico me fez analisar toda a situação e pensar numa solução. Elias, este
era o nome mais falado nas reuniões pedagógicas, conselhos de classe e
diariamente na sala dos professores. Era aquele perfil de aluno taxado como “bagunceiro”
por não respeitar nenhum professor, não levar material e sair e entrar na sala
de aula sem pedir autorização. Até que um dia ele passou a não só frequentar
minhas aulas como também fazer anotações em seu caderno e participar ativamente
mostrando interesse pelos assuntos abordados.
Aparentemente
as duas histórias são diferentes, mas não. Ambas eu retrato a importância da
Pedagogia do Afeto. O carinho, o abraço, a conversa individual e o cuidado me
fizeram interessar novamente pela Matemática e anos depois na condição de
professora mudar o comportamento de alunos.
Um simples gesto
de amor como um abraço ou um adesivo colado no caderno do aluno soluciona um
problema que deixa muitos educadores com os nervos à flor da pele. Muitos
colegas de profissão que vivenciam o estresse da situação perdem o controle e
optam por gritar com o aluno. Porém educar de forma carinhosa mostra
ser a melhor alternativa.
Hoje em dia,
sabemos que as novas gerações de crianças estão, cada vez mais, fadadas a
problemas ligados à carência no geral. Carência econômica, estrutural, espiritual
e principalmente afetiva decorrente dos problemas inerentes ao cotidiano
marcado pela alta taxa de desemprego, violência, intolerâncias, alcoolismo,
materialismo, ambição, ganância, fome, exclusão social e intelectual, entre
outros. Esses problemas sociais oscilam por todas as camadas sociais e impactam
o jovem da mesma forma. Por um lado, as crianças de classes mais baixas sofrem problemática
comum às comunidades periféricas dos grandes centros, como fome ou de estresse
familiar decorrente do desemprego; enquanto as crianças do outro extremo da
sociedade sofrem carências ligadas ao abandono causado pela ganância, pela
ambição, pelo egocentrismo materialista dos pais que, muitas vezes priorizam
suas carreiras profissionais aos cuidados afetuosos necessários aos seus filhos.
Dessa forma temos um problema entrelaçado ao cenário econômico do país, ou
seja, um problema afetivo-social.
Segundo Jean Piaget,
nome mais influente no campo da educação durante a segunda metade do século 20,
o desenvolvimento intelectual do ser humano abrange dois lados: um afetivo e um
cognitivo, ou seja, segundo Piaget é impossível desvincular a afetividade da
cognição, ou o contrário. Isso justifica como é muito mais interessante
aprender algo novo quando achamos a pessoa inspiradora. Geramos nessa situação
uma relação de afeto e admiração que nos mantem mais atentos e envolvidos com o
novo assunto, mesmo na vida adulta.
Embora uma das principais
funções da comunidade escolar seja a construção da aprendizagem e o desenvolvimento
do aluno, há que se evidenciar as relações afetivas como sendo importantíssimas.
Celso Antunes, também referência na educação, diz que o professor precisa
conquistar o aluno, utilizar a transmissão de conhecimento de forma positiva, a
fim de envolvê-lo, motivá-lo com palavras de incentivo e expressões positivas,
pois o grau de envolvimento afetivo e emocional do professor interfere positiva
ou negativamente no processo de aprendizagem do aluno.
Para Vygotski, é
importância promover as interações sociais, afirmando que a construção do
conhecimento ocorre a partir de um grande e importante processo de interação. Além
disso, destaca a importância da socialização no processo de construção do
conhecimento, que a afetividade tem um importante papel na construção do
próprio sujeito e em suas ações.
Já Paulo Freire,
um grande educador brasileiro que valorizava também o processo de afetividade, discute
em seu livro “Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática
educativa” a importância dos pequenos gestos, palavras e olhares de respeito e
de qualificação do professor com seu aluno adolescente: “Este saber, o da
importância [dos] gestos que se multiplicam diariamente nas tramas do espaço
escolar, é algo sobre o que teríamos que refletir seriamente”. Freire ainda
ressalta a importância da compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do
desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, na formação do educador.
É fato que aprender
não é um processo fácil. Devemos querer e estar preparados para receber o novo
conteúdo e instruções. Um ambiente marcado pela afetividade, cercado de
vivências prazerosas e de relações positivas se torna propício para o
aprendizado acontecer de forma prazerosa, significativa e onde o aluno não se
sinta oprimido.
De acordo ainda
com Freire, a opressão é um dos fatores que interferem negativamente o
aprendizado, impondo obrigações ao aluno e coibindo o prazer e a motivação de
aprender. Nesse mesmo sentido, Antunes afirma que a afetividade e as relações
sociais estão intimamente ligadas, pois o trabalho pedagógico se torna difícil,
maçante e por vezes infrutífero, se o professor e o aluno não tiverem um
envolvimento emocional satisfatório. Relembre sua infância e os momentos
na escola. Quantas vezes teve aula com professores que estavam ali apenas para
lecionar e não se envolvia com a turma? No geral são as aulas menos atraentes e
onde conquistamos as notas mais baixas.
A metodologia
deste processo pedagógico-afetivo é muito simples e possui 3 etapas.
1. A
princípio, basta muita atenção para identificar, conhecer e diagnosticar os
grupos de alunos, tal qual perceber as carências inerentes ao coletivo.
2. O próximo
passo remete às metodologias ativas de ensino. Ou seja, dar-se a chance de
conhecer o aluno, um a um, não apenas dando-o a chance de dizer o nome, idade e
a famosa pergunta “o que quer ser quando crescer?” (como é comum nas escolas
até hoje), mas delegar ao estudante voz, ouvindo suas vontades, induzindo sonhos
e orientando atitudes e traçar metas, permitindo-lhe o direito de ser único, a
se expressar, gerando autonomia e transparência, discutir o repertório
disciplinar com eles e verificar qual e como foi sua aceitação, pesquisar junto
ao aluno, enquanto indivíduo qual é a sua origem e extrair das entrelinhas,
quais carências cada um trás para dentro da escola.
3. E por fim,
elaborar um plano de ação pedagógico afetivo onde a intimidade e o “calor
humano” do abraço tenham a mesma importância do giz e do quadro-negro. Abraçar
literalmente TODOS os alunos, acariciar a sua cabeça ou dar um aperto de mão é a
espinha dorsal dessa pedagogia.
Todos sabemos
que abraçar significa abrir os braços e receber outrem a si; significa juntar ao
peito alguém que queremos bem. De acordo com o Dicionário Michaelis da Língua
Portuguesa “abraço” significa apertar(-se), cingir(-se) com os braços,
abranger, conter, entrelaçar-se. Com o abraço podemos unir, receber, proteger,
abranger, somar e principalmente INCLUIR num mundo então, não são metáforas ou
linguagens subjetivas. Com esta pedagogia em prática, espera-se então minimizar
a questão da carência afetiva observada no século XXI como fator de dissociação da capacidade intelectual
e racional dos estudantes e ainda conseguir transformá-los em cidadãos cada
vez mais humanos, solidários, participativos, amorosos e preparados para o
futuro. É então o abraço e o carinho, fatores preponderantes no desenvolvimento de seres humanos que possam doar mais do que receber fazendo assim objetivadas as
premissas iniciais da Pedagogia da Libertação e do Oprimido de Paulo Freire.
Um abraço, um
afeto... quanto vale? Quanto dura?
Talvez toda uma geração.