Labor Educacional

Tertúlia Literária: Um possível itinerário formativo?

As transformações na educação em geral e no novo Ensino Médio em particular são iminentes. Apesar de todo o contexto conturbado de pandemia, as escolas têm como meta implementar em 2022 as novas diretrizes de um Ensino Médio mais flexível, voltado para os projetos de vida individuais e, especialmente, para o protagonismo do estudante.

Nessa nova perspectiva, haverá a formação geral básica e os itinerários formativos, através dos quais o aluno terá a oportunidade de escolha em relação ao aprofundamento curricular. Para organizar esses itinerários, as escolas deverão considerar o interesse dos estudantes bem como as áreas do conhecimento de acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).Tudo deverá estar em articulação perfeita para que a aprendizagem seja ampliada.

Área do conhecimento

Outro aspecto a se levar em conta são os eixos estruturantes: Investigação científica, Processos criativos, Mediação e intervenção na realidade e Empreendedorismo, todos direcionados ao protagonismo, à atuação do estudante e ao uso de suas habilidades na solução de problemas. Mas o que se pretende de verdade com a criação desses itinerários formativos? Observe os objetivos a seguir:

Itinerários formativos

Pois bem. Então a pergunta que inquieta é: o que as tertúlias dialógicas literárias têm a ver com tudo isso?

Na verdade, elas podem ser uma opção valiosa como itinerário formativo na área de Linguagens e suas Tecnologias. Mas, para compreender essa relação, é necessário conhecer primeiro o que são as tertúlias literárias.

A tertúlia literária dialógica é um desses espaços dialógicos de leitura em sala de aula, que privilegia a língua, a leitura e a literatura. Teve origem com o professor basco Miguel Loza a partir de sua inquietude em relação à constatação sobre a maneira com que os adolescentes liam os livros na escola, sempre de forma individual, sem diálogo igualitário e sem a intervenção na escolha dos livros. De acordo com Roseli Rodrigues de Mello, a tertúlia nasceu no ano de 1978, na Espanha, como atividade cultural e educativa não formal, na escola de Pessoas Adultas “La Verneda de Sant-Martí” (Barcelona). Nele, as pessoas leem obras clássicas universais, discutem-nas e o fazem de forma diferenciada, especialmente, por ser uma atividade de caráter dialógico. Dessa maneira, as reflexões tornam-se muito mais abrangentes, uma vez que se discutem possibilidades diversas de interpretações e reflexões sobre o mesmo texto, análises estas que derivam de pessoas distintas, com cargas culturais e pessoais variadas. Daí o diálogo igualitário. Afinal, cada participante pode resgatar suas lembranças mais pessoais e associá-las ao texto literário em análise.

Essa concepção de trabalho remete a Paulo Freire, uma vez que acreditava que a educação tinha como objetivo principal a transformação social, buscando a construção de uma sociedade democrática, solidária e justa, algo bastante palpável quando se fala de tertúlia literária dialógica. Tal prática de leitura, por sua vez, busca dar à pessoa a oportunidade de reverter as circunstâncias por meio da leitura de clássicos literários. De acordo com Michèle Petit, considerando ainda as ideias de Paulo Freire, essa seria uma forma de o participante discutir e analisar a realidade que o cerca e elaborar projetos para transformá-la. É nesse aspecto que a leitura literária através da tertúlia ganha sentido.

Se considerarmos as expectativas que norteiam os itinerários formativos e o propósito das tertúlias literárias, nota-se que ambos exploram princípios muito similares no que diz respeito aos impactos do trabalho provocados nos estudantes envolvidos. Além disso, juntos são oportunidades de aprofundamento de estudos e de conhecimentos que poderão chegar à comunidade e assim serão propagados para um bem maior: a capacidade de ter vez e voz na sociedade.

Impactos na vida do estudante

Vale ressaltar que, assim como os itinerários formativos estão atrelados à BNCC, a tertúlia literária também dialoga com as habilidades presentes no documento. Observe algumas:

• EF69LP01: Diferenciar liberdade de expressão de discursos de ódio, posicionando-se contrariamente a esse tipo de discurso e vislumbrando possibilidades de denúncia quando for o caso.

• EF69LP11: Identificar e analisar posicionamentos defendidos e refutados na escuta de interações polêmicas em entrevistas, discussões e debates (televisivo, em sala de aula, em redes sociais, etc), entre outros, e se posicionar frente a eles.

• EF67LP27: Analisar, entre os textos literários e entre estes e outras manifestações artísticas (como cinema, teatro, música, artes visuais e midiáticas), referências explícitas ou implícitas a outros textos, quanto aos temas, personagens e recursos literários e semióticos.

Considerando os objetivos dos itinerários formativos e a possibilidade de leitura literária igualitária e para todos que a tertúlia traz, é inevitável pensar no quanto será valioso para os estudantes ter a oportunidade de escolher esse tipo de aprofundamento para seus saberes. É claro que o papel do educador na motivação para tal seleção é fundamental, como tudo que se faz em educação. A responsabilidade daquele que propõe está não só na qualidade de sua formação, mas sobretudo no brilho dos olhos, no envolvimento, na crença de que aquilo, de verdade, funciona e só trará benefícios para todos.