Labor Educacional

A Metodologia Labor e o LER – Conhece?

Muito do que tem sido discutido em educação, desde 2017, está relacionado às diretrizes da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Sabe-se que esse documento foi criado com o intuito de padronizar a qualidade do ensino no país, especialmente na rede pública. Em contrapartida, houve também uma preocupação grande para que ele não engessasse os currículos escolares e, por isso, o contexto e a realidade local ganharam papéis relevantes em seu processo de desenvolvimento.

Esse foi um cuidado fundamental, afinal, quando a realidade do aluno é ignorada, o conteúdo parece distante de suas vivências cotidianas, o que ocasiona um inevitável desinteresse por aprender.

Acredita-se que tratar do contexto e da realidade locais seja indispensável por dois motivos:

a) para facilitar a adaptação das escolas e o trabalho de forma integral em sala de aula;

b) para que os educandos possam aprender de acordo com as experiências que vivenciam no cotidiano familiar, escolar e na comunidade.

A Labor Educacional, em sua metodologia desenvolvida e aplicada há 30 anos, trabalha em consonância com essa ideia de valorização da realidade do educando e da escola.

Por isso, antes de iniciarmos um projeto, em geral, o primeiro passo é analisar a situação atual – o ponto de partida; e definir a situação desejada, sonhada – delimitar onde se quer chegar com o trabalho. Pode-se dizer que um dos principais fatores que contribui na conquista de um ideal é um bom projeto para se chegar lá. Ele pode ser definido de um modo estratégico e participativo – partindo de uma análise da situação atual, da identificação dos fatores e das pessoas envolvidas, mostrando os desafios, os problemas, os potenciais, o que está ou não dando certo, etc. – aí sim, tem-se uma boa chance de atingir a situação nova sonhada.

Essa perspectiva da Labor estabelece uma conexão com a obra “Investigação qualitativa em educação”, de Bogdan e Biklen, na qual os autores destacam que uma das características da investigação qualitativa é a proximidade entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa, pois os investigadores “Entendem que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas em seu ambiente habitual de ocorrência”.

Assim, para a Labor, está cada vez mais claro que a mudança desejada só vai ocorrer quando todos os envolvidos ajudarem na tarefa de fazer um Planejamento Estratégico da escola: direção, coordenação pedagógica, professores, funcionários, alunos, familiares e demais cidadãos da comunidade servida pela escola. Atendendo a esse propósito, a ONG considera vários aspectos na implementação de um projeto. Dentre eles: a escada da participação cidadã, o LER e suas ferramentas para sua execução e a mediação.

A escada da participação

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Ainda contemplando a ideia inicial da BNCC, a Labor considera relevante a escada da participação, da autora Sherry R. Arnstein, que utilizou a metáfora de uma escada na qual “cada degrau corresponde à amplitude do compartilhamento de poder com a população em decidir as ações e/ou programas” que a afetam. Por meio dessa referência teórica, pode-se analisar até que ponto os esforços de uma abordagem participativa estão “caminhando com qualidade e dando seus frutos conforme o esperado”.

Trabalhar com participação cidadã cria a expectativa de que um determinado nível seja alcançado e que as relações e instituições estabelecidas não retrocedam no processo de compartilhamento de poder e de responsabilidades – ao contrário, espera-se que essas relações apenas subam, sem parar, para os níveis superiores da escada. Os problemas podem ser melhor solucionados, muitas vezes, com uma nova forma de organizar a participação. É como dizia Paulo Freire: “não é possível a qualquer indivíduo inserir-se num processo de transformação social sem entregar-se inteiramente a conhecer, como resultado do próprio processo de transformar.”

Percebe-se, portanto, que as ações da nossa ONG e os ideias da educação do século XXI estão em plena sintonia. Há mais assuntos importantes que fazem parte da nossa metodologia.

LER

Mas o que é o LER? Você conhece essa sigla? Pois bem, ela é parte integrante da metodologia Labor e significa: Levantamento Escolar da Realidade. Trata-se de um método de pesquisa flexível e descontraído de levantamento de dados da comunidade escolar, de percepções das pessoas, de histórias e registros, para depois serem interpretados coletivamente. É, na verdade, um diagnóstico participativo, que a Labor nomeou de LER.

Mas por que LER? Segundo Paulo Freire, ler não é apenas a decodificação das palavras, é se antecipar na inteligência do mundo, pois a leitura do mundo vem antes da leitura da palavra. Cada pessoa tem um modo único de “ler” o mundo. E a proposta do LER é conhecer as diversas leituras dos diversos segmentos, buscando consensos.

Para realizar essa etapa do processo Labor, é importante a análise da realidade, prática que conta sempre com o apoio do mediador ou facilitador. E quem seria essa pessoa?

É aquela que vai orientar o grupo para o desenvolvimento do processo e também para a utilização de ferramentas que serão estratégicas na realização do trabalho. O mediador deve:

  • conhecer bem seu papel
  • orientar o grupo com regras e técnicas
  • gerar um ambiente agradável
  • facilitar o intercâmbio horizontal
  • acolher as diversas opiniões e alternativas.

Para esse perfil de facilitador, não cabem: imposições, improviso de conteúdos, reações diretas a situações de conflito e que possam romper a dinâmica positiva do grupo.

Ficam em alta a demonstração de confiança, a escuta ativa e compreensiva, estar aberto para romper os próprios preconceitos, agir com serenidade, sem precipitação, receptividade à fala do grupo e a seu comportamento, clareza quanto à sua posição, respeito frente às opiniões expostas, nada de julgamentos, entre outros. Vale lembrar que não se pode perder de vista a ideia de que mediar não é liderar.

Os atributos para ser um mediador poderiam ser resumidos em duas palavras de suma importância: generosidade e compaixão, no sentido em que André Comte-Sponville as apresenta:

“Mas voltemos à generosidade. Que a solidariedade pode motivá-la, suscitá-la, reforçá-la, não há dúvida. Mas ela só é verdadeiramente generosa desde que vá além do interesse, ainda que bem compreendido, ainda que partilhado – logo, contanto que vá além da solidariedade! (…) ser generoso é saber-se livre para agir bem e querer-se assim” (…).

“Compartilhar o sofrimento do outro não é aprová-lo nem compartilhar suas razões, boas ou más, para sofrer; é recusar-se a considerar um sofrimento, qualquer que seja, como um fato indiferente, e um ser vivo, qualquer que seja, como coisa”.

Ainda na fase da escolha da mediação, existem os mediadores anotadores, ou seja, aqueles que acompanham o mediador animador e responsabilizam-se pelos registros fiéis dos diálogos que foram estabelecidos com a comunidade. Seu papel é fundamental para a análise dos dados levantados e para a elaboração do relatório completo do diagnóstico. Tudo o que se conversa é estabelecido, previamente, pelo grupo através de um roteiro temático, direcionado, em especial, para aquela realidade a ser estudada e para os objetivos estabelecidos pela equipe.

Exemplos de roteiros de temas:

A. Condições da Comunidade
A.1 emprego/desemprego
A.2 moradia
A.3 saneamento – água, lixo, esgoto
A.4 lazer – locais, equipamentos, oportunidades
A.5 conflitos e segurança


B. Processo de Ensino-Aprendizagem
B.1 metodologia usada
B.2 condições de planejamento e avaliação
B.3 currículo
B.4 rendimento escolar
B.5 motivação do aluno (etc)


Ferramentas para a execução do LER

Para realizar a parte prática do LER é necessário lançar mão de ferramentas importantes e que apresentem resultados reais e fidedignos para alcançar os objetivos propostos pela equipe. A Labor dispõe de inúmeras dessas estratégias que já foram utilizadas e com sucesso, entretanto, aqui serão apresentadas quatro delas que merecem destaque:

1. Bate- papo semiestruturado
2. Me agrada/ Me incomoda
3. Reloginho
4. Realidade / Desejo


Vamos a elas:

1. Bate- papo semiestruturado

Consiste em estimular uma conversa informal, descontraída, levantando informações de forma a não inibir o entrevistado e nem tampouco lançar perguntas sucessivas sem dar tempo para respostas. Denomina-se “semiestruturado”, porque o bate-papo é conduzido mediante o roteiro de temas previamente construído. Nesse caso, quem dá início ao diálogo é o mediador animador e, enquanto a conversa acontece, os mediadores anotadores devem fazer o registro fiel das falas. A ideia de vários anotadores garante que todos os aspectos relevantes sejam anotados.

É importante sempre comunicar o entrevistado que as informações serão divulgadas, afinal, o trabalho participativo será compartilhado com todos os envolvidos, quando finalizado. Pedir a autorização é uma indicação de respeito e confiança.

2. Me agrada/ Me incomoda

É uma técnica realizada em grupos e pretende-se, com ela, identificar que assuntos ou questões agradam ou incomodam o ambiente escolar.

Grupos são formados. Cada um deles terá um redator que registrará, em uma folha de sulfite, de um lado – “Me agrada” e do outro – “Me incomoda”. O tema a ser discutido é sugerido pelo mediador e os participantes anotarão suas impressões e opiniões nos lados correspondentes da folha. Há outras possibilidades como: um quadro dividido ao meio e palavras registradas com post-its, ferramentas digitais como Padlet, Jamboard etc. É só usar a criatividade, sempre considerando a realidade que está sendo analisada e os recursos de que se dispõe.

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

3. Reloginho

Trata-se de uma técnica muito simples, mas que revela o uso do tempo e a rotina dos diversos segmentos, em especial, das crianças/dos jovens.

Os entrevistados desenham um relógio, indicando como as horas do seu dia são empregadas e em quais atividades. Se for utilizada a forma de texto, colocam-se as horas do dia e o relato da atividade rotineira na frente. Normalmente, sugere-se que façam duas rotinas: uma para um dia da semana e outra para o sábado ou domingo.

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

4. Realidade / Desejo

Essa técnica tem como objetivo explorar o estímulo, o questionamento do ponto de vista dos participantes. Traz uma perspectiva de como é a realidade e de como os envolvidos gostariam que ela fosse. O recurso a ser utilizado pode ser determinado pela equipe, uma vez que ela conhece o contexto da escola.

Mais uma vez, o mediador abre o diálogo, questionando o grupo sobre aspectos da realidade e da comunidade escolar. Para isso, o roteiro de temas continua tendo muita importância.

Após a finalização da lista da realidade, que não necessariamente deverá ter apenas apontamentos negativos, o facilitador dá voz aos participantes para falarem sobre o que se pretende, sobre os desejos do grupo e as anotações continuam sendo feitas.

Então é chegado o momento do último desafio: pensar em como transformar “realidade” em “desejo”. No final da execução da técnica, todos os participantes devem ter acesso à visualização dos registros.

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

A ação da Labor Educacional, considerando o que se tem apresentado a respeito de sua metodologia, tem contribuído, e muito, para que a escola seja um ambiente no qual alunos, professores e gestores sintam desejo de estar. Acreditamos que, se assim for, a evasão escolar perde espaço na educação e o aprendizado significativo, com alunos protagonistas e criadores de seu próprio aprendizado, ganha lugar de destaque. Quiçá, num futuro não muito distante, tenhamos jovens que consigam enxergar a realidade com um olhar crítico e com uma percepção empática e, assim, enfrentar a batalha árdua para a transformação da sociedade.


Referências bibliográficas:

ARNSTEIN, Sherry R. Uma Escada da Participação Cidadã. Revista da Associação Brasileira para o Fortalecimento da Participação, Porto Alegre/Santa Cruz do Sul, v. 2, jan. 2002.

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994.

BNCC – Base Nacional Comum Curricular

COMPTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

Ser professor é para poucos

É fato, e não temos dúvidas, o quanto é difícil ser professor atualmente. Os desafios são enormes e não importa se são escolas públicas ou particulares que os problemas existem.

Ler Mais

Princípios da gestão participativa

“Tanto do ponto de vista quantitativo, como qualitativo, nunca houve proporcionalmente tantas pessoas autoras e dependentes das decisões e escolhas de tantas outras pessoas na sociedade contemporânea. Os sistemas culturais

Ler Mais